Panela
Não, não ousei levantar o testo da panela - não fosse acontecer-me o mesmo que ao João Ratão da Carochinha - nem sei o que dentro dela borbulhava. Limitei-me a fotografar a sua presença quente à entrada do Restaurante São Leonardo em São Leonardo de Galafura aonde fui levada a almoçar por amigos apaixonados pela Vida. E suponho até que não se terá importado de permanecer na penumbra em fervura lenta depois de, aconchegado o nosso paladar com saboroso cabrito assado em forno de lenha, a termos deixado entregue a si mesma. Ela bem sabia que também nós desejávamos sentir no corpo e na alma a beleza daquela paisagem que Miguel Torga amava.
M
«O
Doiro sublimado. O prodígio de uma paisagem que deixa de o ser à
força de se desmedir. Não é um panorama que os olhos contemplam: é
um excesso de natureza. Socalcos que são passados de homens
titânicos a subir as encostas, volumes, cores e modulações que
nenhum escultor pintou ou músico podem traduzir, horizontes
dilatados para além dos limiares plausíveis de visão. Um universo
virginal, como se tivesse acabado de nascer, e já eterno pela
harmonia, pela serenidade, pelo silêncio que nem o rio se atreve a
quebrar, ora a sumir-se furtivo por detrás dos montes, ora pasmado
lá no fundo a reflectir o seu próprio assombro. Um poema geológico.
A beleza absoluta».
Miguel Torga in “Diário XII"
11 comentários:
O cabrito afaga o corpo e a paisagem a alma!
Amigos afagam e são afagados: uma combinação absoluta, quase poética. E Miguel Torga era um ser solitário mas que nos toca a alma, como harpa, com poema e palavra.
Sentimos, só ao ler, a beleza do Douro. E o prazer que teria quem calcorreava esses montes de provar a sopa dessa panela.
dois poemas:um geológico,o outro culinário.
Como sobremesa o teu texto delicioso:-)
Panela antiga, fogão de lenha; texto de amizades e de beleza. Tudo tão diferente dos "tachos" que a gente vai vendo por aí...
PA ra nos fazer água na boca?
E lá fui reler o Diário. Que requinte comer dessa panela nesse lugar.
Panela com honras de foto. Bonita.
Talvez seja muita parra para pouca
uva
Talvez seja muita parra para pouca
uva
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