quarta-feira, janeiro 15, 2020

4. Licínia

Um aprumo de juventude, uma firmeza, uma recusa a curvaturas, vénias. Empertigada, diziam, vaidosa, um dia havia de vergar, talvez quebrar, diziam, perante aquela verticalidade que confundia, incomodava. 
Passaram anos, séculos, e ela ali, erecta, ignorante do despeito, da irritação de quem a olhava de viés, por medo de tão persistente inteireza.
Chegou o dia, havia de chegar, da vingança, de tentar o derrube da vertical afronta. Cercaram-na. Depois, todos à uma, empurraram. Eia, eia, ô! Sem tempo a perceber as razões de tal fúria, cedeu, um pouco, mais um pouco, inclinou-se. A turba ululava. Cai, cai, eia, ô!
Do meio da multidão, uma voz lhe chegou, em sopro, em soluço. Gosto de ti, minha torre de vontade! Sorriu, deteve o pendor, ficou imóvel, incólume, na sua nova pose de mulher reclinada em ombro oferecido. Misteriosamente, sem tombar. Uma Torre de vontade.

Licínia

4 comentários:

M. disse...

Gosto da personificação da torre.

mena maya disse...

Guerreira!

bettips disse...

Alguém que vacila
vacilou
mas não caiu.

Justine disse...

Ah imaginação desenfreada! Gostei do princípio da história, para quando a continuação??