quarta-feira, janeiro 15, 2020

6. M.

Pode parecer estranho mas vejo nesta fotografia um navio a inclinar-se em mar agitado, apesar da serenidade mostrada pelos passageiros no suposto convés, aliás reacção que não se esperaria numa situação real e semelhante à que conto a seguir.
Por volta dos 22 anos, eu e a minha amiga Alexandra fizemos um passeio a Espanha para comemorar o primeiro ano dos nossos empregos. Chegadas a Barcelona de comboio, seguimos para Palma de Maiorca de barco, viagem serena, como se deslizássemos sobre um lago azul, sem necessidade de recorrer ao Vomidrine levado na mala. O inesperado aconteceu no regresso entre Palma de Maiorca e Barcelona quando, na escuridão da noite, ondas gigantescas quase engoliam o barco e os passageiros, qual casca de noz de história em banda desenhada. Um horror foram aquelas cerca de dez horas até nascer a manhã! A minha amiga a tempo tomou um comprimido para o enjoo e manteve-se sentada, imóvel, mas eu e outras pessoas não tivemos essa sorte. Infelizmente, no meu caso bastou um atraso de segundos a engolir a bolinha milagreira e pronto, o previsto efeito futuro vingou-se de forma rápida obrigando-me a ir até à proa agarrada ao corrimão do convés coberto para não cair, e lá permaneci, em pé, junto de tantos outros companheiros de infortúnio. Chegávamos a cambalear, abríamos a porta que dava para o exterior, deitávamos borda fora os nossos enjoos e ali ficávamos, até que as nossas entranhas se apaziguassem. Exausta, regressei ao meu lugar inicial passadas horas incontáveis. A Alexandra suspirou de alívio por me ter de volta, preocupada com o meu desaparecimento repentino até me imaginara para sempre nos braços de Neptuno. Quando pisámos finalmente terra firme ainda me sentia a baloiçar, e que ninguém me falasse em comida, ao contrário da minha amiga. Tão esfomeada estava que devorou o seu pequeno almoço e o meu (ambos incluídos no preço da viagem...). O comprimido para o enjoo deve ter-lhe aberto o apetite. 
M

5 comentários:

mena maya disse...

Fizeste-me lembrar a minha 1a e até agora, única viagem às Berlengas. O bwrco, ainda era dos antigos, os assentos uma tábua corrida, debaixo de cada lugar um balde. Ainda no porto disse,que tinha medo, os meus cunhados alemães troçaram, medo de quê?, o mar estava tão manso. Já no alto mar, as ondas elevavam o barco e entravam furiosas por ele dentro. Eu sentada np chão, muda e queda. Quando atracámos, o meu cunhado muito mal disposto e branco como a cal disse: ah os portugueses têm medo, os alemães vomitam!

Mónica disse...

duas belas histórias de mulheres valentes! acho nunca mais punha um pé num barco ahahahah

bettips disse...

Eu não ponho pés em barcos, a não ser para a travessia do Tejo e muito instada! Lá se me ia o passeio borda fora.
Duas histórias picarescas!

M. disse...

Aconteceu-me o mesmo que a ti, Mena, mas eu vomitei para o dito balde e quando cheguei às Berlengas, em vez de tomar banho e me divertir, fiquei sentada a tentar desenjoar e a pensar no regresso. Tinha 15 anos e não tinha Vomidrine...

Justine disse...

M. e Mena, recordo - e basta recordar para me sentir enjoada - as várias idas às Berlengas e o tormento que era a travessia até pisar terra firme! São histórias para contar durante um dos nossos almoços, mas numa dessas viagens, o nevoeiro era tanto e as ondas tão assustadoras, que passámos as Berlengas sem dar por elas e só demos por isso quando estávamos junto do Farilhões!!! Agora o barco da travessia deve ter meios mais sofisticados.