quarta-feira, março 02, 2022

4. Licínia


 

no tempo do gelo ardente

na noite de fogo e lobo

depois de ter abatido

a corça mais inocente

com setas feitas de pedra

com arcos feitos de pau

com força feita de fome

o homem se levantou

da esteira da solidão

e às paredes da gruta

traços e voltas lançou

e com eles se encantou

e os traços multiplicou

e os traços deram as vozes

e as voltas deram as danças

e as danças eram de gente

e a gente era igual ao homem

que outro homem descobriu

nas pedras onde dançavam

as voltas que ali traçou

e com elas se amigou

e ao outro dia chegou

uma mulher que passou

a mão nos traços e voltas

e se aconchegou na esteira

com o homem que inventou

do amor a carta primeira

 

Nota: A primeira foto é recorte de uma “Caligrafia” da autoria de Ariana Andrade. A segunda é de um rochedo com grutas, algures no Gerês, onde Ariana, em criança, sem saber ainda escrever, desenhava com pedra sobre pedra rabiscos que hoje rememora nos seus grafismos. O poema é meu.

O homem da pré-história revive cada vez que um homem ou mulher de hoje inscreve na pedra os seus pensamentos. Foi o que me ocorreu apresentar.

Licínia

5 comentários:

Justine disse...

Belíssima apresentação, Licínia, com a poesia dentro da humanidade mesmo antes de ela disso ter consciência, como disse o Zambujal

Anónimo disse...

Muito belos: texto e imagens.
M.

Anónimo disse...

De grande beleza as fotografias e o poema.

Teresa

bettips disse...

Incríveis são as memórias e o que elas (nos)significam. Belas, as palavras-poema inicial, figuras quase de arte rupestre.

Anónimo disse...

Tudo magnífico mas principalmente o poema
Luisa