O vazio aconteceu. Não é um vazio qualquer, de mistura com o silêncio depois da brisa. É o vazio ele mesmo, no termo de uma vida que me deixa apenas este sinal de tantos anos, uma simples aliança tão nova e brilhante como nos primeiros dias e a écharpe que usava no tempo mais frio, enquanto as suas mãos dedilhavam duas agulhas na invenção de outras peças assim, ou de lã ou de linha, umas para replicar o conforto, as de fio branco para florir espaços lisos com flores entrançadas, simetrias e folhas simuladas sobre a mesa. O vazio está na paragem desses sinais de vida, nessa presença, até mesmo nesse silêncio. O vazio decorre ainda do lugar abandonado, destas duas referências aqui tombadas, sem dono, nem história, porque só eu as conheço, a alma vazia, um adeus por dentro, quase nada para substituir a ausência.
Rocha de Sousa
8 comentários:
Um texto doloroso muito belo, "um adeus por dentro" a acompanhar uma fotografia onde o vazio existe, na cor do fundo, na luz/sombra da aliança, na écharpe fugidia a lembrar os cabelos de alguém.
Assim a memória da existência humana.
Não é um vazio qualquer, não senhor. É uma falta uma ausência uma saudade, um risco marcado cá dentro que nada pode apagar. Mas há quem não tenha o conforto de poder ainda olhar o vulto, as mãos, os fios e perspectivar uma troca de sorrisos!
Triste, muito triste. E belo, muito belo o tom pungente do texto!
Um infinito... pessoal, muito dorido e bem descrito.
Ouvimos olhando esse silêncio, ele mesmo, acontecido numa paragem dos gestos.
Um vazio tocante!
Um texto e uma fotografia belíssimos, destes que não podemos esquecer porque tocam no mais fundo de todos nós: o vazio dos que partiram.
Nenhum vazio é um vazio qualquer.
E este vazio, aqui tão bem transcrito, é um vazio magoado, dorido. E belo como pode ser belo o dorido, o magoado.
Gostei como se pode gostar de sentir a solidariedade, o delicioso pungir de acerbo espinho.
Um texto cheio de ternura para um vazio que afinal está preenchido com as melhores lembranças.
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