Manhã cedo, no início de uma Primavera esplendorosa, atravessei a ponte e dirigi-me para os lados do Seixal, na ideia de um outro dia já longe em que espreitara a morte dos navios de ferro numa doca lamacenta, espécie de cemitério de naves assim, imensas e ferrugentas, retorcidas pelo tempo e pelas batalhas perdidas. Desta vez guiava com mais certeza, embora ansioso quanto à possibilidade de revisitar as máquinas serrando cascos vazios num berro contínuo e estridente. E de súbito, desvendando o espaço onde tudo me fora dado a ver, apenas descortinei uma única carcaça, vaga e sem popa, sem proa, o ventre rasgado, apontado ao alto, ao contrário de si mesmo. Em volta havia apenas lama apodrecida, quase verde, salpicada de velhas embalagens e bandos de gaivotas.
8 comentários:
E de como o cadáver de um barco pode dar origem a uma bela fotografia...
Esqueleto do que já foi, talvez, um belo barco.
Os pequenos titanic dos nossos pescadores. O fim-sombra bem descrito.
Tanta coisa está a acabar assim!
Uma manhã que não foi perdida, porque achou uma foto singular...
Velha carcaça que muito teria para contar das vidas que guardou.
... belo texto.18 pyrc
Entropia?
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