quinta-feira, outubro 10, 2013

10. Rocha/Desenhamento



Manhã cedo, no início de uma Primavera esplendorosa, atravessei a ponte e dirigi-me para os lados do Seixal, na ideia de um outro dia já longe em que espreitara a morte dos navios de ferro numa doca lamacenta, espécie de cemitério de naves assim, imensas e ferrugentas, retorcidas pelo tempo e pelas batalhas perdidas. Desta vez guiava com mais certeza, embora ansioso quanto à possibilidade de revisitar as máquinas serrando cascos vazios num berro contínuo e estridente. E de súbito, desvendando o espaço onde tudo me fora dado a ver, apenas descortinei uma única carcaça, vaga e sem popa, sem proa, o ventre rasgado, apontado ao alto, ao contrário de si mesmo. Em volta havia apenas lama apodrecida, quase verde, salpicada de velhas embalagens e bandos de gaivotas. 

Rocha de Sousa

8 comentários:

Justine disse...

E de como o cadáver de um barco pode dar origem a uma bela fotografia...

Benó disse...

Esqueleto do que já foi, talvez, um belo barco.

bettips disse...

Os pequenos titanic dos nossos pescadores. O fim-sombra bem descrito.

Luisa disse...

Tanta coisa está a acabar assim!

agrades disse...

Uma manhã que não foi perdida, porque achou uma foto singular...

jawaa disse...


Velha carcaça que muito teria para contar das vidas que guardou.

Zambujal disse...

... belo texto.18 pyrc

M. disse...

Entropia?