Era uma mulher grossa, volumosa, deformada, de corpo e de gesto. Vestia de negro e os cabelos hirsutos, presos na nuca com um atilho, também eram negros. Os olhos claros moviam-se com rapidez, curiosos, desconfiados, inseguros. Falava alto, num registo agudo que por vezes arranhava o ar. Esfregava o nariz largo com a palma da mão, de baixo para cima. Parecia que desde sempre o fizera, e por isso ele apontava para o alto. As argolas de ouro nas orelhas perdiam-se na abundância do pescoço. Era uma mulher enorme, possante, inquieta. Nunca a tinha visto, mas era-me tão familiar. Não parei de a observar até que ela saltou para o quadro e se juntou às outras, as avestruzes, as que abortam, as que engraxam as botas, as que lavam o chão, as que têm joanetes e sorrisos como navalhas. Mistério decifrado.
Licínia
4 comentários:
Lindo texto!
Exatamente, os quadros de Paula Rego são compostos de realidades.
Exactamente, foi tudo isso que PR quis representar!
Tenho uma amiga que faz esse gesto no nariz, não sei se é por isso que o nariz dela é arrebitado 😁😁
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