BRINQUEDO
Carvão era o combustível.
Incandescente quanto bastasse. De vez em quando esmoreciam as brasas. Era
preciso agitar o ar com o abano, abrir as goelas do ferro. Longe da roupa, não
fosse saltar faúlha. O melhor carvão era o de sobro, ou o de azinho. Madeiras
feitas com demora de anos, de seivas muito elaboradas. A Mãe passava na tábua
de madeira, forrada a cobertor velho, com capa de algodão branco ajustada por
fitas de nastro. Era uma pena quando, por momentânea distracção, o ferro vazava
o calor excessivo e gravava na alvura um triângulo acastanhado. A miúda gostava
de observar as manobras. O olho aceso do carvão, os gestos leves e exactos das
mãos da Mãe na condução do ferro, no alinhar da roupa, o calorzinho húmido em
redor da tábua, em redor da Mãe.
Deram-lhe um ferro de engomar,
a sério, só que mais pequenino, que as mãos dela ainda alcançavam pouco mundo.
Não, não era um brinquedo. A Mãe punha lá dentro carvõezinhos em brasa e
deixava-a passar a roupa da boneca, num banquinho baixo, ao lado da tábua alta.
Ainda hoje se lembra do silêncio entre as duas, ponteado pelo tilintar dos
ferros, a assentarem nos descansos, no compasso da chegada e partida das peças.
Trabalhos de mulheres...
Licínia
7 comentários:
O teu texto é um primor, Licínia! E transportou-me para casa de uma tia, onde esse trabalho de mulheres era semelhante e onde eu adorava participar...
"de pequenina se torce a pepina" o texto é bonito.
O que eu sonhei por me darem um ferro pequeno como o teu. Mas não, apenas consegui um de lata.
Luisa
Perfeito! Estou a ver a cena.
Um belo texto. De infância. Fe menina!
Bonito texto.
Também tive um ferro pequeno como o da foto, mas não era para utilizar. Apenas para enfeitar.
calculo a tua felicidade!
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