quarta-feira, abril 27, 2022

4. Licínia

 

A miúda passava todos os dias, à mesma hora, defronte do café dos velhos que a seguiam com olhos saudosos de juventude. A miúda não reparava neles, ia sempre apressada, segura de querer chegar onde a esperavam. Foi assim até ao dia em que a atenção dela foi tocada por um baque surdo e uma vozearia de aflição. Virou-se, deu uns passos atrás, perguntou, precisa de ajuda. Ajude-me a levantar, menina, estes velhos não conseguem. Ela sorriu, abraçou-o pelas costas e ergueu-o. Estava pálido, ela só se foi embora quando o viu sentado e a beber um copo de água. Os outros velhos diziam frases desgarradas, que coisa, tu vê lá, estás bem, ó pá atiraste-te para o chão para a miúda te agarrar, cala essa boca.

Entre dois golos, ele só disse, baixinho, para ela não ouvir, é tão bonita.

Licínia

6 comentários:

bettips disse...

Que bela prosa poética!

mena maya disse...

Na velhice também se sonha.

Anónimo disse...

Afinal, todos com saudade da mocidade
Luisa

Anónimo disse...

Afinal estavam todos com saudade da mocidade perdida
Luisa

Justine disse...

Enternecedor, o teu texto, Licínia! E nostálgico...

M. disse...

Um texto de uma ternura imensa, assim o sinto.