quarta-feira, outubro 11, 2023

7. Margarida


 

Podia ter escolhido um outro mas desta viagem recordo-me com muita saudade e com muita risota.

O mítico comboio “comedor de homens” (sim, é assim que é conhecido, até cartazes ferozes de leões esfomeados cobrem as paredes interiores de algumas carruagens, dentes ensanguentados) liga Nairobi a Mombaça e existe assim, como é, desde 2017, tendo sido inteiramente financiado pelos chineses.

Era suposto ser rápido mas a experiência mostrou que não. Nem o embarque, nem a viagem.

Era também expectável que saísse às 6h da tarde, mas como em África corre o leve-leve, saiu 12h depois, ou seja, na madrugada seguinte. Nem um aviso, ninguém a informar, nada de nada se passava na plataforma de embarque.

Apenas o calor sufocante, o parco bar de estação sujo e às moscas, cotovelos que colam, os jogos de cartas entre amigos e locais, um bazar de rua próximo, duas polícias fardadas e armadas passando para cá e para lá e as sandes de queijo seco que tínhamos feito e que nos ocuparam a espera.

Podia relatar o interior do comboio, surreal, tínhamos marcado com dormida, eram 2 patamares de madeira rígida, despidos, tipo beliche, presenteados com 1 mochila tipo-tropa com um pano-lençol dentro para cada pessoa. Tudo cor verde-tropa. A casa de banho, o cubículo, não tinha água. Muitos cartazes com leões e “proibido fumar”. Toda a gente fumava lá dentro, incluindo as polícias, que entretanto também embarcaram. Passaram 12 horas connosco, partilhando farnel, conversas e cigarros. Não faz mal, diziam elas, “os cartazes são só para decorar as paredes”.

“E os leões enfurecidos comendo homens são porquê?” - perguntámos nós. Ah, isso é outra história. Não sabemos se mito, se exagero, se verdade mas aquela viagem era antes feita em comboios de carruagens abertas e, de tão lenta era a marcha que os leões saltavam e atacavam as pessoas em andamento. Daí o mítico nome.

Só para terminar (e de facto a marcha ainda continua lenta), dizer que nunca comi peixe-tão-sola como nesta viagem. Dado o atraso no embarque, sentiram-se na obrigação de oferecer aos passageiros uma refeição. Aqueceu o estômago mas não o satisfez. Mas foi agradecido.     

A paisagem é linda e ainda bem que o comboio é lento, assim vimos bem que as zebras e mesmo as girafas correm mais rápido do que o mítico comboio “The Man Eater”, principalmente em zonas abertas.

Obrigada, Quénia.   

7 comentários:

Anónimo disse...

Fico estarrecida com as tuas viagens. Eu não aguentaria
Luisa

Paulo disse...

😂😂😂. Muito bom!

M. disse...

Uma fotografia lindíssima a acompanhar um relato vivíssimo. Senti-me a viajar a teu lado.

Mónica disse...

Bela história, 12h de espera não é para qualquer um, gosto braço de fora

bettips disse...

Esta agora...
Não é uma "curta", é uma longa metragem que lemos em sobressalto. Memórias vivas que muito aprecio, tanto pela natureza que observas como pelas personagens extravagante que descreves. Muito bom, saber de outras realidades!

Justine disse...

Aventuras em comboio por terras africanas. História bem contada!

Anónimo disse...

Muito bem contada mais uma das tuas aventuras.

Que medo teria de uma viagem dessas.

Teresa