quarta-feira, fevereiro 28, 2007

Lindo!

«Nesta altura já levavam mais de uma hora de caminho, Belém não podia estar longe. Ora, sem que pudessem perceber-se porquê, porém as coisas não levam sempre, conjuntamente, a sua própria explicação, a estrada estivera deserta desde que os dois tinham saído de Jerusalém, caso digno de estranheza porque, estando Belém tão perto da cidade, o mais natural seria haver aqui um contínuo corrupio de gente e animais. Desde o sítio onde a estrada, poucos estádios depois de Jerusalém, se bifurcava, um ramo para Bercheva, este para Belém, era como se o mundo se tivesse recolhido, dobrado sobre si mesmo, pudesse o mundo ser representado por uma pessoa e diríamos que cobriria os olhos com o manto, escutando apenas os passos dos viajantes, tal como escutamos o canto de pássaros que não podemos ver, ocultos entre os ramos, eles, mas nós também, porque assim nos estarão imaginando as aves escondidas na folhagem. José, Maria e o burro tinham vindo a atravessar o deserto, pois o deserto não é aquilo que vulgarmente se pensa, deserto é tudo quanto esteja ausente dos homens, ainda que não devamos esquecer que não é raro encontrar desertos e securas mortais em meio de multidões.»


Excerto de O Evangelho segundo Jesus Cristo, José Saramago, editora Caminho

2 comentários:

bettips disse...

Do sublime, que também é religioso. Como tantas obras da Arte: de pensar, de escrever, de pintar, de fazer música, de comunicar o místico que há no humano. Bjinho

JPD disse...

EStá cá em casa numa lista de espera curta mas por esgotar!
Há-de ser lido.
:)