Íamos e vínhamos e a hora chegava
em que líamos
sentados nos sofás da sala
todos desiguais
um era grande e escarlate
o outro era branco e outro mais pequeno
tinha por cima uma manta de quadrados.
Líamos e de vez em quando falávamos do que líamos.
Raramente estávamos de acordo
como convinha à diferença que cultivávamos
com primores de jardineiro.
Recordo bem a tarde em que lias
relias
um livro sobre trigonometria
em búlgaro
tenho a certeza
a língua em que chegaste a sonhar.
Eu teimava em terminar um poema sobre o Pont-Neuf
que não leste.
Dessa tarde não recordo mais nada.
Talvez tu tenhas adormecido no sofá branco
e eu me tenha embrulhado na manta de quadrados.
Afinal era Fevereiro e fazia frio.
Licínia
10 comentários:
Vós sois umas poetisas!
E olhei, vi Paris. Depois li e confirmei: a poesia na cidade dos amores. Lindo!
Grande poema, Licínia. Mas também gostaria de ler o outro sobre o Pont-Neuf...conheces a poetisa que o escreveu?
Justine, é só pedir!
“PONT-NEUF”
Fevereiro de 2005
O meu “Pont-neuf” é macho.
Quando há Sol desmaiado, o fim da tarde
dá-lhe a luz oblíqua de Errol Flynn
teimoso por se chamar desejo.
O meu “Pont-Neuf” é fêmea.
Tem a concavidade morna, demorada,
do útero das mulheres
onde novos e velhos pacificam,
esquecidos da forma que não têm.
Estive lá antes ou depois de te amar?
Já tinha havido Maio ou apenas sonhávamos com ele?
Estive lá. Estive. E sempre ao fim da tarde que
por vezes tardava.
Antes ou depois de saber que existias, “Pont-Neuf”?
Obriguei-te a ser mais do que uma ideia.
Teve de ser. Que ideia mais concisa abrigaria
os sonhos dos novos e o sono dos velhos que
nele encontram o quadro do repouso,
chame-se o rasto fino e espumoso
do “bâteau-mouche” ou
a espera sem ânsia do pescador?
(que talvez nem se aviste do “Pont-Neuf”…)
Os nossos lugares são coisas nossas,
mesmo que não existam fora
da urgência de as havermos.
Licínia Quitério, em "Da Memória dos Sentidos"
Licínia, fiquei a olhar e a sentir a Pont-Neuf com outros olhos e outra emoção.
Obrigada
Paris la belle! A minha cidade amada!
Licínia, sabes que o Rabih Abou-Khalil tem uma música chamada Pont Neuf? estive a ouvi-lo de manhã e lembrei-me de ti ao ver o título...
Adorei este passeio poético!
Justine, vou à procura.
leitura de senos e cosenos, tangentes e cotangentes, portanto :)
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