Uma história sobre viagens de carro podia ser uma qualquer nas estradas de Angola, os furos nos pneus quando eram outros a conduzir, que nervos estar numa estrada no deserto à espera da troca, a falta de sinalização longitudinal no pavimento, conduzir à noite com veículos na estrada sem luzes, numa estrada deserta um cavalo que se pôs à frente do meu carro (talvez se quisesse suicidar), o meu carro que não era um carro mas sim um todo-terreno de quatro lugares e caixa aberta atrás que dava imenso jeito para mil uma atividades, transportes de pessoas e objectos variados em boleias improvisadas, os chamados “fita métrica” porque eram os carros tipicamente conduzidos pelos brancos encarregados de obras, tinha um leitor de CD’s que passava os únicos CD’s, Paulo Flores e Michael Bublé, ouvi “Cry me a River” e “Dombe Grande” intensamente (muitas vezes em dueto aos berros sozinha em lagrimas de frustração e solidão) até ao dia em que no regresso de umas férias cá alguém deixou os CD’s no assento e com o calor derreteram, a pasta de papeis e declarações guardadas no porta-luvas para espetar na cara dos polícias nos controlos aleatórios na caça à “gasosa”, as manobras para estacionar no quintal apertado, a vez que resolvi aliviar-me escondendo-me atrás da porta aberta deixando-me à vista no sentido contrário, as idas à oficina para trocar os filtros do ar e do gasóleo regularmente sem falta antecipando (ou ficava “presa” em casa) falhas no fornecimento dos filtros ou na disponibilidade do mecânico que passava as faturas de livros impressos no tempo colonial (desde 1975 só eu é que pedia faturas ou o tipógrafo estava-se borrifando para atualizar a matriz de impressão dos livros de faturas), sentia-me grande e poderosa no alto do carro e pequena e mulher a enfrentar o trânsito de motas, “kaleluias” (mota com atrelado) e “kupapatas” (mota-táxi), carros velhos, carrões de luxo de vidros esfumados, camiões variados muitos de marca chinesa que pareciam gigantes brinquedos de lata, maioritariamente conduzidos por pessoas sem carta de condução, sentia-me atrevida a transportar os milhares de kuanzas e dólares dentro da minha mochila do Banco para o carro e depois estrada fora até ao destino, não eram bem viagens de automóvel, eram desafios que com o tempo passaram a boas recordações para me gabar. Recentemente, peripécias desagradáveis de automóvel foi a vez que conduzi num dia de períodos de chuva intensa sem limpa para-brisas, senti-me uma irresponsável e a vez que me senti uma palerma porque meti gasolina em vez de gasóleo, o carro andou até parar numa rua estreita de sentido único numa zona comercial que ficou entupida até à chegada do reboque.
Mónica
6 comentários:
Excelentes histórias, Mónica. Assim todas de corrida, adorei! Uma das vezes que te sentiste irresponsável, não estavas sozinha: foi tipo "Thelma & Louise". Correu bem :)
Uma maravilha, a tua história cheia de suspense. Tens uma verve muito fascinante, algum realizador te aproveitava para um filme,
"Out of África - working without a farm"...
Um texto fabuloso que se sente sai de dentro de ti, das tuas entranhas, cheio de vida, sem subterfúgios. Gosto muitíssimo.
Tenho de concluir, depois da leitura deste teu excelente relato, que és uma verdadeira aventureira, Mónica!
Grandes aventuras viveste. Fiquei em pânico só de ler o magnífico texto
Teresa
Que histórias tão giras, não fossem também perigosas.
Luisa
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