quarta-feira, outubro 18, 2023

9. Mónica

O barco não é o meu transporte preferido nem de opção, batelão, barco, barquinho, barco a remos, caiaque, maior do que isso acho que não fiz nenhuma viagem. Estou servida bi-diariamente de há um ano para cá, no caminho casa-trabalho-casa. Nada de notável acontece a não ser as pessoas que cheiram mal ou a perfume intenso logo de manhã, os assentos do barco que me metem nojo, janelas fechadas, os pescoços dobrados a olhar para o telemóvel, o som que sai dos telemóveis de cada um (jogos, religião, novelas, música pimba, o sotaque brasileiro a dominar os conteúdos virtuais), os tolinhos que cumprem o ritual nos últimos 3 minutos de viagem aproximam-se das portas de saída, ali ficam em pé, dão um passo em frente quando abrem as portas, esperam mais um pouco numa espécie de vestíbulo entre a rampa metálica de desembarque que está na posição vertical e o maralhal atrás em posição de empurra para a frente, até que o barco atraque e baixe as rampas para serem eles a saírem do barco em primeiro lugar. Faço figas para que um dia um solavanco contra o cais os abane, uma onda os salpique, a rampa encrave e não desça e ali ficam como sardinha em lata até que o maralhal perceba que a saída está bloqueada. “Proibido sair dos lugares até o barco estar parado” parecido com “mantenham os cintos apertados e não saiam do lugar”, aviso inútil. Não me custa fazer a viagem de barco, pelo contrário, a visão matinal de Lisboa virada para o rio e o pôr-do-sol no regresso, são admiráveis. Viagens de barco-a-sério nunca fiz.

Mónica

5 comentários:

bettips disse...

Acho que te "estou a ver" eh eh eh
Boa descrição das manhãs e dos malfadados "espertos" do costume. Salvam-se os nasceres e os pores!

Justine disse...

Com o teu texto fizeste um retrato realista e irónico de Lisboa ao começo e fim do dia...

M. disse...

Mais um dos teus textos cheios de ti, do que e como observas o mundo e do que sentes. É um gosto ler-te.

Anónimo disse...

Não conhecia esses "costumes" nos barcos. Divertem
Luisa

Anónimo disse...

Boa crónica do dia a dia da travessia di Tejo

Teresa