O
meu primeiro emprego foi numa loja de brinquedos num centro comercial das 18 às
24 horas a ganhar 6 contos. Não tinha contrato nem coisa nenhuma, tinham que me
ir buscar ao trabalho porque àquela hora não havia transportes nem jeitos de ir
para casa sozinha. Em frente à loja dos brinquedos era a bilheteira do cinema
que fechava mais cedo e a senhora que lá trabalhava, a D. Zinha, tinha pena de
me deixar ali sozinha, recomendava ao rapaz da discoteca, a loja de vender
discos ao lado da loja dos brinquedos, que olhasse por mim, emprestava-me
livros da Corín Tellado e outros que tais porque eu disse (e arrependi-me) que
gostava de ler, quando fazia um bolo trazia-me uma fatia, quando ia à casa de
banho pedia-me para dar um olho na bilheteira e dizer às pessoas que ela vinha
já, dava-me conselhos sobre mulheres infelizes que se apaixonam por homens
casados, que não me metesse nas drogas e não deixasse de estudar, era o meu anjo
da guarda enquanto eu estava rodeada dos brinquedos, aprendia a vendê-los conforme
a idade e o sexo, a fazer embrulhos de tamanhos irregulares, quando não havia
clientes fazia os laços de diversos tamanhos em fitas de cores a condizer com o
papel de embrulho, tipo fábrica, não podia estar parada, e a fazer parte do negócio
da ilusão infantil: o laço, o papel, o embrulho perfeito, a caixa, os
acessórios da caixa e ahh o brinquedo. Trabalhei lá pouco tempo porque o
horário era insuportável e a minha vida continuou seguindo os conselhos da D. Zinha.
Fui visitando-a e depois noutras bilheteiras de cinema onde trabalhou até o dia
em que me disseram que se tinha reformado e não soube mais nada dela. A D. Zinha
vestia-se sempre impecavelmente, sem um vinco fora do sítio, um fato
saia-casaco, uma camisa vistosa, um vestido florido, bem penteada, pintada, de
sapatos de salto alto e fino, com as cores certas e a condizer, simpática, vistosa,
o perfeito cartão-de-visita a convidar a entrar na fantasia do cinema. A loja
de brinquedos fechou, o centro comercial não sei se ainda existe. Gostava de
saber da D. Zinha.
Mónica
7 comentários:
Um texto maravilhoso que nos leva a muitas reflexões. Um misto de ternura mútua entre a D. Zinha e tu, a sua preocupação contigo, admirável. Também notável o teu modo de descrever a tua função na loja: «... ahh o brinquedo.» Tanta coisa, o papel, o laço, etc. e o brinquedo quase esquecido de referir era afinal o mais importante. Assim como tanta coisa em que estamos absorvidos. Adorei!
Brilhante descrição. Se fosse a ti, procurava a D.Zinha :)
Gostei de conhecer o teu local de trabalho, a simpatia da D. Zinha, e gostei muito de confirmar a tua capacidade descritiva! Excelente!
Escreves muito bem. Fiquei com pena da autora não acabar a história dizendo ter reencontrado a D. Zinha.
Luisa
Muito bom, texto corrido na memória funda. A D. Zinha era uma amor de pessoa, das que ficam em palavras e presença.
Gostei do texto. Muito bom, como +e habitual. Tenta encontrar a D, Zinha, talvez consigas.
Como se procura uma pessoa do qual só sei o diminuitivo?
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