6. Margarida

 

Os meus meninos

Em tempos fui artesã. Se calhar ainda o sou, sem o saber. Trabalhava cápsulas de café Nespresso e transformava-as em artesanato. Vendi bem, por essas feiras afora. A dada altura tinha tantas, tantas, mas tantas cápsulas que não dava vazão. Era preciso esvaziá-las, lavá-las, esmagá-las e empilhá-las por cores. Não tinha tempo para isso. Lembrei-me de ir ao Centro de Terapias Ocupacionais da Quinta do Pisão (que por acaso pertence à Santa Casa da Misericórdia de Cascais), aqui bem perto de mim, e propôr à dinamizadora um qualquer tipo de parceria. E assim foi. Eles ofereciam o seu tempo e a sua dedicação e eu oferecia as borras de café para a horta comunitária. Bem acolhida a ideia, “os meus meninos”, como lhes chamava, quase todos doentes mentais, recebiam-me de braços abertos, uma vez por semana, sufocando-me com abraços. E gritavam: “a senhora do café”! Por vezes sentia-me num filme de Fellini. Durou talvez 1 ano, esta “nossa parceria”. Até que acabou, por circunstâncias da vida. Dei-lhes a notícia com alguma tristeza. Ficaram muito excitados, mas não de alegria. Gritaram ainda mais alto: “viva a senhora do café!”. Sabiam que tinha e que adorava gatos. No último dia, ofereceram-me esta boneca em papier mâché, feita por eles, colorida, cheia de gatinhos, estranha ao mesmo tempo, aqueles olhos negros, mas para mim, linda. Ainda a tenho, no jardim, decapitada pelo vento, pela chuva, pelo sol e pelo tempo. Guardo o tronco e a cabeça separadamente, porque já não se colam. Tive pena de me despedir “dos meus meninos”. Bem hajam.

Margarida