O MEDO
O meu Pai dizia:
O medo não existe.
E eu avançava pelo quarto escuro, devagar,
os olhos muito abertos,
a afastar as sombras
dos ramos da nogueira ao luar.
Mãos de lobo
a tentar agarrar os meus brinquedos.
O medo não existe.
E eu dava mais um passo,
já muito perto da boneca
que me chamava (eu ouvia)
no tampo da mesinha à cabeceira.
Finalmente a tocava e de pronto a agarrava.
Retrocedia, com passos estugados,
em direcção à luz por momentos roubada.
O coração batia e uma alegria nova me invadia.
Meu Pai sabia tudo.
O medo não existia.
Ainda hoje não tenho relutância
em entrar no quarto escuro
onde não há boneca
nem sombras da nogueira.
Apenas eu com o medo futuro.
Mafra, Fevereiro de 2006
5 comentários:
Bom, quando podemos acreditar. Lindo, o fluir da infância no poema! Obg L porque sabes. Obg M porque passas a mensagem: tentas mostrar o ponto luminoso ao longe, na floresta de nós. Abçs
Um complemento admirável para as fotos que vão sendo publicadas. Parabéns
Gostei muito deste texto.
Fez-me, de algum modo, lembrar um outro, escrito, há muitos anos, pelo Manuel Alegre.
belissimo poema.
a licínia é incomparável. bem haja uma pelo poema e outra por publicá-lo. beijinhos.
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