Os
meus antónimos de alegria
O que serão os
meus antónimos de alegria? Parece-me que se podem resumir a um, para
simplificar e para não ter que pensar muito em muitas coisas
desagradáveis, assim fico-me pela mentira. A mentira foi um letreiro
de letras grandes e luminosas que me acompanhou durante os dois anos
que vivi em Benguela. Não sabia que isto existia. Senti-me a viver
rodeada de pessoas tão escorregadias como uma lâmina de água no
pavimento de uma estrada. Concentrei-me em ouvir e estar calada, em
caminhar atenta com o olhar no infinito, a ver e registar para mim, a
desconfiar dizendo que estava tudo bem. A mentira está nos
contrastes sociais, económicos, na luta de sobrevivência, na falta
de condições básicas de vida, não há torneira, não há
interruptor, há escola sem cadeiras, há janelas sem vidros e sem
redes mosquiteiras, há casas sem chão, há guardas que são
contratados à empresa do chefe da policia, há colegas que roubam
fuba e açúcar para dar de comer em casa, há homens que usam as
mulheres a seu bel-prazer porque é assim, há quem diga que tem um
amigo general para facilitar, há quem conduza sem carta e paga a
gasosa, há quem se queixe que o estado lhe ficou a dever milhões,
há quem peça a comissão do negócio, a lista não acaba. A mentira
estava em tudo e em todo o lado, era oficial, era o modo de vida,
estava na minha casa, no meu trabalho. A fotografia mostra as camadas
da vida em Luanda, eu estava num condomínio fechado (esqueçam a
noção turística de condomínio fechado) com guardas, gerador
próprio, piscina vazia, e da minha janela fotografei o que me
rodeava, até onde a máquina fotográfica alcança mostra as gruas
do progresso e da dita civilização. Da outra janela via um campo de
bananeiras com um riacho de águas paradas que servia para a lavagem
de carros, um trabalho vulgar feito com um balde de água e um pano,
e crianças brincarem. Tudo era mentira sob o ponto de vista dos meus
valores, do meu senso comum, para mim foi-se a alegria.
Mónica