Pois. A essa pergunta nunca sei responder, a não ser se me ficar por aquele princípio vago de que vale sempre a pena ler um livro.
Deram-me este livro durante uma das minhas paixões. E que coincidentemente, ou não, era simples. Aliás, as minhas paixões têm sido sempre simples.
A paixão já é tão intensa que complicá-la deve ser por de mais doloroso...
Deixo aqui um excerto. Talvez sintam se vale a pena ou não ler o resto...
"Muitas vezes, eu tinha a impressão de viver esta paixão como se estivesse a escrever um livro: a mesma necessidade de não falhar nenhuma cena, a mesma preocupação com todos os pormenores. E até pensei que não me importava de morrer depois de ter ido até ao fim desta paixão - sem dar um sentido preciso a «até ao fim» - da mesma maneira que poderia morrer depois de ter acabado de escrever isto, daqui a uns meses.
Eu tentava, diante das pessoas com quem me dou, não deixar transparecer a minha obsessão naquilo que dizia, embora me obrigasse a uma vigilância difícil de manter constantemente. No cabeleireiro, vi uma mulher muito volúvel, a quem toda a gente respondia normalmente até ao momento em que, quando lhe estavam a lavar o cabelo, ela disse «estou a fazer um tratamento aos nervos». Desde logo, imperceptivelmente, o pessoal começou a dirigir-se a ela com uma contenção distante, como se aquela confissão irreprimível fosse a prova da sua perturbação. Eu tinha medo de parecer anormal se dissesse «estou a viver uma paixão». No entanto, quando no meio de outras mulheres, na caixa do supermercado, no banco, perguntava-me se elas tinham, como eu, sempre um homem na cabeça, senão o que é que faziam para viver assim, quer dizer - segundo a minha existência anterior - sem terem nada para esperar a não ser o fim-de-semana, ir jantar fora, uma sessão no ginásio ou os resultados escolares das crianças: tudo aquilo que agora me era penoso ou indiferente.
Como troca de confidências com uma mulher ou com um homem que confessasse estar a viver, ou ter vivido, «um amor louco com um gajo» ou «uma relação muito forte com alguém», às vezes apetecia-me entregar-me. Desaparecida a euforia da cumplicidade, censurava-me a falta de cuidado, por menor que fosse. Essas conversas em que eu tinha continuamente respondido àquilo que a outra pessoa me dizia como «eu também, comigo é igual, fiz a mesma coisa, etc.» pareciam-me de repente estranhas à realidade da minha paixão, inúteis. E além disso, parecia-me que alguma coisa se perdia nessas efusões.
Hummmm...parece que vou comprar. Embora ande sempre a pensar que não posso comprar MAIS livros! Inutilmente, como compreenderão. A escrita parece duma "simplicidade" que esconde uma grande complexidade de sentimentos; e a espécie de estupidificação que se sente em relação ao que dizem os outros... Obg Rosalina. Bjinho
Embora ande sempre a pensar que não posso comprar MAIS livros!
ehehehheheh...bettips, é por isso que depois as paixões são complexas.
Como é que alguém que goste de livros pode andar a pensar que não pode comprar mais livros?!
Isso deve criar, pontualmente, no momento em que um livro nos chama, deve criar, dizia eu, alguma conflituosidade.
Até porque se compra sempre. E depois lá ficará aquele sentimento de culpa. E este demora sempre a passar.
Por isso,a regra deveria ser: nunca vou deixar de comprar livros. Assim como com a paixão, deveríamos estar sempre disponíveis para ela, conscientes de que todas têm princípio meio e fim. É simples.
O tempo...o espaço! O tempo que não se tem para ler tudo. E para reler ainda o que a memória chama. O espaço que não se tem para arrumar. E para saber onde se guarda "O Inverno do Nosso Descontentamento" por ex. É complexo, sim. As paixões devem ser simples mas não são. Pelo menos para mim. Bjinhos para os bons conselheiros...
12 comentários:
Será que há paixões simples?
Não conheço. Mas gostava!
Eu acho as paixões MUITO complicadas.
A dos livros e as outras.
A clear message!
Também acho que as paixões e a simplicidade não fazem grande combinação... mas, se a Anne Ernaux escreveu assim, há que confirmar.
Não conheço mas será de certo uma história apaixnante.
Também não conheço mas se é uma paixão simples será certamente feliz.
Também não conheço a obra. Vale a pena ler?
Teresa Silva
Se vale a pena ler...
Pois. A essa pergunta nunca sei responder, a não ser se me ficar por aquele princípio vago de que vale sempre a pena ler um livro.
Deram-me este livro durante uma das minhas paixões. E que coincidentemente, ou não, era simples. Aliás, as minhas paixões têm sido sempre simples.
A paixão já é tão intensa que complicá-la deve ser por de mais doloroso...
Deixo aqui um excerto. Talvez sintam se vale a pena ou não ler o resto...
"Muitas vezes, eu tinha a impressão de viver esta paixão como se estivesse a escrever um livro: a mesma necessidade de não falhar nenhuma cena, a mesma preocupação com todos os pormenores. E até pensei que não me importava de morrer depois de ter ido até ao fim desta paixão - sem dar um sentido preciso a «até ao fim» - da mesma maneira que poderia morrer depois de ter acabado de escrever isto, daqui a uns meses.
Eu tentava, diante das pessoas com quem me dou, não deixar transparecer a minha obsessão naquilo que dizia, embora me obrigasse a uma vigilância difícil de manter constantemente. No cabeleireiro, vi uma mulher muito volúvel, a quem toda a gente respondia normalmente até ao momento em que, quando lhe estavam a lavar o cabelo, ela disse «estou a fazer um tratamento aos nervos». Desde logo, imperceptivelmente, o pessoal começou a dirigir-se a ela com uma contenção distante, como se aquela confissão irreprimível fosse a prova da sua perturbação. Eu tinha medo de parecer anormal se dissesse «estou a viver uma paixão». No entanto, quando no meio de outras mulheres, na caixa do supermercado, no banco, perguntava-me se elas tinham, como eu, sempre um homem na cabeça, senão o que é que faziam para viver assim, quer dizer - segundo a minha existência anterior - sem terem nada para esperar a não ser o fim-de-semana, ir jantar fora, uma sessão no ginásio ou os resultados escolares das crianças: tudo aquilo que agora me era penoso ou indiferente.
Como troca de confidências com uma mulher ou com um homem que confessasse estar a viver, ou ter vivido, «um amor louco com um gajo» ou «uma relação muito forte com alguém», às vezes apetecia-me entregar-me. Desaparecida a euforia da cumplicidade, censurava-me a falta de cuidado, por menor que fosse. Essas conversas em que eu tinha continuamente respondido àquilo que a outra pessoa me dizia como «eu também, comigo é igual, fiz a mesma coisa, etc.» pareciam-me de repente estranhas à realidade da minha paixão, inúteis. E além disso, parecia-me que alguma coisa se perdia nessas efusões.
(pp 23-26)
Hummmm...parece que vou comprar. Embora ande sempre a pensar que não posso comprar MAIS livros! Inutilmente, como compreenderão.
A escrita parece duma "simplicidade" que esconde uma grande complexidade de sentimentos; e a espécie de estupidificação que se sente em relação ao que dizem os outros...
Obg Rosalina.
Bjinho
Embora ande sempre a pensar que não posso comprar MAIS livros!
ehehehheheh...bettips, é por isso que depois as paixões são complexas.
Como é que alguém que goste de livros pode andar a pensar que não pode comprar mais livros?!
Isso deve criar, pontualmente, no momento em que um livro nos chama, deve criar, dizia eu, alguma conflituosidade.
Até porque se compra sempre. E depois lá ficará aquele sentimento de culpa. E este demora sempre a passar.
Por isso,a regra deveria ser: nunca vou deixar de comprar livros. Assim como com a paixão, deveríamos estar sempre disponíveis para ela, conscientes de que todas têm princípio meio e fim. É simples.
Estou de acordo.
As paixões devem ser simples para nos podermos livrar delas rapidinho
para se chegar ao Amor ou devolver à procedência.
as complexas são uma chatice.., enrolam, enrolam e para que se chegue a uma conclusão é preciso chegar à idade da reforma.
O que ainda tenho de Sofrer!
O tempo...o espaço!
O tempo que não se tem para ler tudo.
E para reler ainda o que a memória chama.
O espaço que não se tem para arrumar.
E para saber onde se guarda "O Inverno do Nosso Descontentamento" por ex.
É complexo, sim. As paixões devem ser simples mas não são. Pelo menos para mim.
Bjinhos para os bons conselheiros...
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