Os
meus antónimos de alegria
O que serão os
meus antónimos de alegria? Parece-me que se podem resumir a um, para
simplificar e para não ter que pensar muito em muitas coisas
desagradáveis, assim fico-me pela mentira. A mentira foi um letreiro
de letras grandes e luminosas que me acompanhou durante os dois anos
que vivi em Benguela. Não sabia que isto existia. Senti-me a viver
rodeada de pessoas tão escorregadias como uma lâmina de água no
pavimento de uma estrada. Concentrei-me em ouvir e estar calada, em
caminhar atenta com o olhar no infinito, a ver e registar para mim, a
desconfiar dizendo que estava tudo bem. A mentira está nos
contrastes sociais, económicos, na luta de sobrevivência, na falta
de condições básicas de vida, não há torneira, não há
interruptor, há escola sem cadeiras, há janelas sem vidros e sem
redes mosquiteiras, há casas sem chão, há guardas que são
contratados à empresa do chefe da policia, há colegas que roubam
fuba e açúcar para dar de comer em casa, há homens que usam as
mulheres a seu bel-prazer porque é assim, há quem diga que tem um
amigo general para facilitar, há quem conduza sem carta e paga a
gasosa, há quem se queixe que o estado lhe ficou a dever milhões,
há quem peça a comissão do negócio, a lista não acaba. A mentira
estava em tudo e em todo o lado, era oficial, era o modo de vida,
estava na minha casa, no meu trabalho. A fotografia mostra as camadas
da vida em Luanda, eu estava num condomínio fechado (esqueçam a
noção turística de condomínio fechado) com guardas, gerador
próprio, piscina vazia, e da minha janela fotografei o que me
rodeava, até onde a máquina fotográfica alcança mostra as gruas
do progresso e da dita civilização. Da outra janela via um campo de
bananeiras com um riacho de águas paradas que servia para a lavagem
de carros, um trabalho vulgar feito com um balde de água e um pano,
e crianças brincarem. Tudo era mentira sob o ponto de vista dos meus
valores, do meu senso comum, para mim foi-se a alegria.
Mónica
9 comentários:
100€ de acordo, Mónica. Excelente descrição
Um texto quase em catarse, e como eu concordo contigo! a mentira igual a modo de vida, a mentira igual a viver ignorando a miséria, a desigualdade, a injustiça, a dignidade humana! Um antónimo que contém todos os antónimos de alegria...
impossível não sentir o peso da tua tristeza
100% claro! fica o reparo!
Admiravelmente descrita a tua tristeza. A visão na fotografia é terrível: onde mora a alegria? Deve ser(te)uma memória penosa. E sabemos ainda mais: que continua.
O perfeito contraste com a alegria
Luisa
estou aqui, estou bem, voltava a Benguela já ia avisada :D
É sempre triste ver a pobreza, longe ou perto. Foi há quantos anos?
foi em 2012, está a data na fotografia, deixei de propósito a máquina fotográfica configurada para aparecer a data nas fotografias, quando não quero q a data apareça corto a fotografia
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