quinta-feira, dezembro 19, 2019

5. M.



TOADA DE NATAL

Um pássaro a cantar na laguna estagnada
Frutos no capitel de uma coluna exangue
É assim que o Natal se nos pousa na alma
É assim que o Natal tem um gosto a laranja

Do gira-discos sobe um concerto de Bach
Que importa que lá fora o vento se levante
É assim que o Natal habita a nossa casa
É assim que o Natal desperta a nossa infância

Mas penso no que seja a noite de hoje em Praga
Vais a dizer Jesus e dizes Vietname
É assim que o Natal nos dilacera a carne
É assim que o Natal nos parece um alfange

E ficamos os dois de mãos entrelaçadas
E filtramos a luz e a sombra deste instante
É assim que o Natal nos vai enchendo a taça
É assim que o Natal nos aperta a garganta

1968

David Mourão-Ferreira, Obra Poética 1948-1988 (Cancioneiro de Natal 1960-1987, páginas 226 e 227), Editorial Presença, Julho de 1996

3 comentários:

Justine disse...

Belo, este poema de "mãos entrelaçadas"...

Mónica disse...

muito bonito

Anónimo disse...

Lindíssima foto.

Teresa