quinta-feira, dezembro 19, 2019

3. Licínia



NATAL, E NÃO DEZEMBRO

Entremos, apressados, friorentos,
numa gruta, no bojo de um navio,
num presépio, num prédio, num presídio,
no prédio que amanhã for demolido...

Entremos, inseguros, mas entremos.
Entremos, e depressa, em qualquer sítio,
porque esta noite chama-se Dezembro,
porque sofremos, porque temos frio.

Entremos, dois a dois: somos duzentos,
duzentos mil, doze milhões de nada.
Procuremos o rastro de uma casa,
a cave, a gruta, o sulco de uma nave...
Entremos, despojados, mas entremos.
Das mãos dadas talvez o fogo nasça,
talvez seja Natal e não Dezembro,
talvez universal a consoada.

David Mourão-Ferreira, Obra Poética 1948-1988 (Cancioneiro de Natal 1960-1987, páginas 222 e 223), Editorial Presença, Julho de 1996

4 comentários:

Justine disse...

Pungente e tão belo. Grande poeta, o D M-F
(mesmo gostos poéticos que a M.?)

M. disse...

Eu tinha pensado no mesmo poema mas, depois de receber a proposta da Licínia, preferi publicar outro de David Mourão-Ferreira para proporcionar mais variedade.

Mónica disse...

rastro?
DMF está em grande

Mónica disse...

já fui ao dicionário :D