quinta-feira, dezembro 05, 2019

6. M.



Entre as várias fotografias que resguardo na pasta dos meus Natais em família ao longo dos anos escolhi esta, relativamente recente, por me parecer significativa para o tema sugerido. Olho-a demoradamente, o ambiente de luz e sombras encanta-me. Os suportes de vidro das velas vermelhas lembram-me o carreirinho empedrado de um postal meu de criança onde três meninos caminham uns atrás dos outros, com lanternas acesas nas mãos, pelo meio do arvoredo. Imagino-os à procura do Presépio que a minha Tia Chanel fazia, com muitas figuras de barro pintado e musgo apanhado na Tapada da Ajuda. Dezembro tinha sempre uma agenda cheia e a preparação da ementa do jantar de Natal estava na lista. Comprou-se então um perú ao homem que passava na rua (em bairro de Lisboa!) orientando com um graveto o seu bando de perús. Levado ao colo escada acima para a cozinha do nosso terceiro andar, viria mais tarde o pobre animal a cambalear tristemente, embriagado pela aguardente que lhe tinha sido despejada goela abaixo. De tal maneira o episódio me impressionou que ainda o vejo entre as sombras da memória, mais a faca nas mãos da cozinheira pronta para o degolar. Cena cruel, convenhamos. Afastei-me, incomodada, antes que o “perucídio” se consumasse diante de mim, e refugiei-me em pensamentos alegres, antecipando os momentos de festa dos dias seguintes. Na manhã de 25 de Dezembro, em fila indiana, todos de roupão, o meu Pai na frente, a minha Mãe, eu e o meu irmão, dirigimo-nos à cozinha, ansiosos por descobrir que surpresas guardariam os nossos sapatos ali colocados na véspera. Após limpeza primorosa do fogão a gás e da chaminé larga, por onde desceria o Menino Jesus (na casa da minha infância não existiam exaustores nem o Pai Natal era visita da família), tornara-se a cozinha palco digno de coreografia natalícia. 
Um tempo que foi e continua a marcar presença, embora de maneira diferente. Porque o Natal é um lugar nas nossas vidas. 
M

2 comentários:

Justine disse...

Um texto carregadinho de ternura, alguma ironia e porta-voz de toda a iconografia com que os natais da nossa geração eram encenados.
Envolvendo tudo, a elegância e a sensibilidade da tua fotografia

Mónica disse...

imaginei as velas transformarem-se em lanternas caminhantes. acho que devias escrever um livro de contos.