Entre as várias fotografias que resguardo na pasta dos meus Natais em família ao longo dos anos escolhi esta, relativamente recente, por me parecer significativa para o tema sugerido. Olho-a demoradamente, o ambiente de luz e sombras encanta-me. Os suportes de vidro das velas vermelhas lembram-me o carreirinho empedrado de um postal meu de criança onde três meninos caminham uns atrás dos outros, com lanternas acesas nas mãos, pelo meio do arvoredo. Imagino-os à procura do Presépio que a minha Tia Chanel fazia, com muitas figuras de barro pintado e musgo apanhado na Tapada da Ajuda. Dezembro tinha sempre uma agenda cheia e a preparação da ementa do jantar de Natal estava na lista. Comprou-se então um perú ao homem que passava na rua (em bairro de Lisboa!) orientando com um graveto o seu bando de perús. Levado ao colo escada acima para a cozinha do nosso terceiro andar, viria mais tarde o pobre animal a cambalear tristemente, embriagado pela aguardente que lhe tinha sido despejada goela abaixo. De tal maneira o episódio me impressionou que ainda o vejo entre as sombras da memória, mais a faca nas mãos da cozinheira pronta para o degolar. Cena cruel, convenhamos. Afastei-me, incomodada, antes que o “perucídio” se consumasse diante de mim, e refugiei-me em pensamentos alegres, antecipando os momentos de festa dos dias seguintes. Na manhã de 25 de Dezembro, em fila indiana, todos de roupão, o meu Pai na frente, a minha Mãe, eu e o meu irmão, dirigimo-nos à cozinha, ansiosos por descobrir que surpresas guardariam os nossos sapatos ali colocados na véspera. Após limpeza primorosa do fogão a gás e da chaminé larga, por onde desceria o Menino Jesus (na casa da minha infância não existiam exaustores nem o Pai Natal era visita da família), tornara-se a cozinha palco digno de coreografia natalícia.
Um tempo que foi e continua a marcar presença, embora de maneira diferente. Porque o Natal é um lugar nas nossas vidas.
Um tempo que foi e continua a marcar presença, embora de maneira diferente. Porque o Natal é um lugar nas nossas vidas.
M
2 comentários:
Um texto carregadinho de ternura, alguma ironia e porta-voz de toda a iconografia com que os natais da nossa geração eram encenados.
Envolvendo tudo, a elegância e a sensibilidade da tua fotografia
imaginei as velas transformarem-se em lanternas caminhantes. acho que devias escrever um livro de contos.
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