AS
CONSULTAS DE QUINTA-FEIRA
Havia
anos que os vinte quilómetros de estrada secundária o levavam todas
as semanas às consultas de quinta-feira. Grande parte dos seus
doentes, por quem sentia um afecto muito especial, vinha do tempo da
“periferia”, quando ele e outros colegas ali tinham sido
colocados, ao abrigo da política de saúde do governo da altura.
Para um rapaz novo, praticamente acabado de sair da faculdade, tinha
sido difícil trocar os sonhos de uma carreira médica na capital
pela pacatez de um posto de saúde algures numa terra longínqua. O
trabalho depressa o fizera compreender a utilidade daquela
experiência e o convívio com os colegas trouxera-lhe amizades para
a vida inteira. Mais tarde, terminada a “periferia”, mantivera as
consultas às quintas-feiras. “Ao menos uma vez por semana vou
visitar a família!...”, dizia por graça.
Olha
quem ali está, comentou para consigo. O Ti Manel e as suas vinhas!
Há que meses não o via. Ainda bem, era sinal de saúde.
Aparecera-lhe no consultório por alturas do último Natal, não que
estivesse doente, o homem era rijo: “Venho desejar-lhe Boas Festas
e oferecer-lhe duas garrafinhas de vinho para o Senhor Doutor beber
com a sua senhora.” Buzinou e acenou-lhe através da janela.
-
Bom dia Nelson, como vai? - disse, ao passar junto do porteiro do
Centro de Saúde - Hoje há muita gente para mim?
-
Bom dia Doutor Brandão! Alguma... Começa o inverno, aparecem os
espirros...
-
O pior é se não tenho lenços suficientes para os espirros da
alma...
M
1 comentário:
Em qualquer tempo, em qualquer idade, em qualquer lugar, há sempre um João Semana, uma história para contar, um dia a que se pode chamar de natal ou que outro nome se lhe dê.
Que bem contada a "periferia" e uma luta sempre viva. Obrigado!
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