Dia
de Natal
Hoje é dia de ser bom.
É
dia de passar a mão pelo rosto das crianças,
De
falar e de ouvir com mavioso tom,
De
abraçar toda a gente e de oferecer lembranças.
É dia de pensar nos outros – coitadinhos – nos que padecem,
De
lhes darmos coragem para poderem continuar a aceitar a sua miséria
De
perdoar aos nossos inimigos, mesmo aos que não merecem,
De
meditar sobre a nossa existência, tão efémera e tão séria.
Comove tanta fraternidade universal.
É
só abrir o rádio e logo um coro de anjos,
Como
se de anjos fosse,
Numa
toada doce,
De
violas e banjos,
Entoa
gravemente um hino ao Criador.
E
mal se extinguem os clamores plangentes,
A
voz do locutor
Anuncia
o melhor dos detergentes.
…
Nas
lojas, na luxúria das montras e dos escaparates,
Com
subtis requintes de bom gosto e de engenhosa dinâmica,
Cintilam,
sob o intenso fluxo de milhares de quilovates,
As
belas coisas inúteis de plástico, de metal, de vidro e de cerâmica.
…
A
Oratória de Bach embruxa a atmosfera do arruamento.
Adivinha-se
uma roupagem diáfana a desembrulhar-se no ar.
E
a gente, mesmo sem querer, entra no estabelecimento
E
compra – louvado seja o Senhor! – o que nunca tinha pensado
comprar.
Mas a maior felicidade é a da gente pequena.
Naquela
véspera santa
A
sua comoção é tanta, tanta, tanta,
Que
nem dorme serena.
Cada menino
Abre
um olhinho
Na
noite incerta
Para
ver se a aurora
Já
está desperta.
De
manhãzinha
Salta
da cama,
Corre
à cozinha
Mesmo
em pijama.
Ah!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Na branda macieza
Da
matutina luz
Aguarda-o
a surpresa
Do
menino Jesus.
Jesus,
O
doce Jesus,
O
mesmo que nasceu na manjedoura,
Veio
pôr no sapatinho
Do
Pedrinho
Uma
metralhadora.
Que alegria
Reinou
naquela casa em todo o santo dia!
O
Pedrinho, estrategicamente escondido atrás das portas,
Fuzilava
tudo com devastadoras rajadas
E
obrigava as criadas
A
caírem no chão como se fossem mortas:
Tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá-tá
Já
está!
E
fazia-as erguer para de novo matá-las.
E
até mesmo a mamã e o sisudo papá
Fingiam
Que
caiam
Crivados
de balas.
Dia de Confraternização Universal
Dia
de Amor, de Paz, de Felicidade,
De
Sonhos e Venturas.
É
Dia de Natal.
Paz
na Terra aos Homens de Boa Vontade.
Glória
a Deus nas Alturas.
(excerto do poema Dia de Natal de António Gedeão)
(fotografia de uma escultura numa exposição no MAAT)
5 comentários:
o Bach outra vez? é um compositor de Natal? esta cadeira presumo que seja moçambicana, dps de um dos acordos de paz fizeram-me varias cadeiras com armas, será?
Uma escultura espantosa para um poema muito belo.
fizeram-se e não "fizeram-me" :D peço desculpa p erro
Mónica, estivemos quase uma semana sem Net aqui em casa, daí a resposta apenas hoje: tenho ideia de que a exposição que vi no MAAT era de esculturas de vários países, mas não registei o nome do autor desta que tanto me impressionou.
Quanto ao Bach era mais o gosto do Gedeão...embora eu também goste!
maputo 2004 http://cem-mil.blogspot.com/2004/11/plano-99982.html
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