quinta-feira, dezembro 12, 2019

2. Justine



Reformados de fresco, sem pais a cargo e com os filhos espalhados pelo mundo, rumámos à casa de campo, onde eu tencionava plantar meus amigos, meus discos e livros e nada mais. Mas muito mais foi. Foi a descoberta da solidariedade vizinha, da generosidade e da partilha, e chegado o primeiro dezembro passado na aldeia, foi a alegria da redescoberta de rituais da minha infância há muito apenas guardados nas minhas memórias, e substituídos na cidade por festejos importados de terras longínquas.
Um grupo de amigos da aldeia junta-se: as senhoras costuram as vestes para os manequins oferecidos por casas comerciais que já não os usam; os homens montam a estrutura da gruta, acartam o burro e a vaca e trazem o cepo de oliveira, grande e muito pesado pois tem de durar até ao primeiro dia do novo ano. Depois, é o trabalho de tudo juntar e de fazer o presépio com as figuras em tamanho natural. Com o pormenor encantador de deixarem a manjedoura vazia e só no dia 25 de manhã ela lá terá dentro um menino acabadinho de nascer!
A aldeia em peso vai à Missa do Galo na noite de 24. As crianças só no dia seguinte têm a sua prenda no sapatinho deixado na chaminé, embora nenhum já acredite que foi o pobre do menino acabado de nascer que lhes trouxe o presente.
Esta é a melhor história de Natal que posso contar e a que assisto há 20 anos sem cansaço, antes admirando cada vez mais o entusiasmo do trabalho colectivo, a simplicidade das gentes, a ternura e a alegria de ver continuados os velhos costumes, por mim vividos em criança.
Nem sequer me incomodou a inovação do senhor de barbas vestido de vermelho que, ao contrário dos das cidades, o ano passado desceu pela parede exterior da gruta!
Justine
(fotografia do presépio do Zambujal)

2 comentários:

Zambujal disse...

Que é tão bom contigo con-viver! E tão bem contado! Obrigado em nome da da aldeia, da terra, do chão que sou.

Mas, desculparás..., há uma correcção: o presépio da minha/nossa aldeia fica até ao dia de reis, dos reis que vêm, na noite já Janeiro dentro, beber um copo connosco!

M. disse...

Uma bela descrição de quem se pressente estar completamente inserida no lugar. E tão diferente do que se passa nas cidades...