quinta-feira, janeiro 29, 2009

"Brinquedo" por Vida de Vidro


Era só uma boneca. Se pudesse falar, para lá daquela imitação de “mamã” que tinha gravada algures dentro de si, falaria da menina de cinco anos e da alegria à sua volta quando a puseram nas suas mãos. Só o menino Jesus a podia ter trazido, talvez para a consolar por ter estado muito doente naquele ano. Nas terras ali à volta não havia nenhuma igual. Uma amiga da menina tinha uma parecida mas o pai trouxera-a de longe, duma cidade grande. E ela queria tanto uma boneca assim… Sabia que era alta, linda, de cabelos ruivos e olhos azuis. Se lhe dessem a mão, andava e até dizia aquele “mamã” mal articulado. Tinham-lhe dado o nome de Leonor mas rapidamente ficou apenas com o diminutivo: Nô-Nô. Foi a companhia preferida da menina durante muitos anos, suportou-lhe bons e maus tratos, até que ela cresceu e, pouco a pouco, Nô-Nô foi abandonada, guardada num canto da casa. Passou de moda, também. As bonecas passaram a ser esguias e sofisticadas, imitações de modelos de carne e osso. Encostada ao canto, a Nô-Nô esperou, com os olhos azuis muito abertos. Já ouvia crianças na casa, crianças parecidas com aquela menina que a tinha esquecido. E um dia, uma dessas crianças, uma menina franzina, tentou pegar-lhe. Como era difícil para as suas forças agarrar aquela boneca, chamou-lhe “a pesada”. E passava dias inventando histórias sobre aquela estranha companheira, tão diferente das outras. Até a mãe da menina voltou a prestar-lhe atenção. Parecia-lhe que os olhos azuis brilhavam mais. Apesar das mazelas do tempo, a Nô-Nô tinha voltado à vida.
Vida de Vidro

11 comentários:

None disse...

Seria uma daquelas bonecas fabricadas nas Canárias, Las Palmas? Eram enormes...

Luisa disse...

Ainda me lembro da "inveja" que eu tinha das amigas que tinham bonecas tão bonita como esta. Serão as de agora mais belas????

mena maya disse...

A Nô-Nô é de facto muito especial, uma ruiva de olhos azuis não era muito habitual nessa época!

Até teve o condão de encantar a tua filha...

Justine disse...

A continuidade através dos objectos que enraízam a nossa memória e a nossa vida. Bela história:))

bettips disse...

Muito bonita, a ligação que fizeste com a Nô-Nô na actualidade, palavras de sentimento.
Tive uma boneca assim, mas morena, os meus padrinhos eram ricos... trouxeram-ma de Espanha.
Vestia de cor de rosa como uma menina que se preza, debaixo do vestido de seda viam-se as articulações de pau e nas costas um "respiradouro" para dizer "uáá" quando se inclinava. Estava sempre "a dormir" no gavetão da cómoda, era maior que eu. Um dia que consegui convencer a minha mãe a deixar-ma levar, sei que não aguentei, alguém teve de a carregar e acabou o passeio à rua ...
Qual seria a sensação de quem a "deitou fora"? E quando?

vida de vidro disse...

Deixem-me então esclarecer que também não sei onde está a Nô-Nô. Nalguma arrecadação, talvez, porque não me lembro de a ter deitado fora. Era a ela que queria tirar a foto mas, na sua falta, achei esta boneca (mais recente) parecida, no ruivo dos cabelos e no azul dos olhos. Mas a Nô-Nô era única... :)

Teresa David disse...

Na verdade mais que a foto o texto é que me deu enorme prazer ler!

por um fio disse...

Gostei da história da Nô-Nô, mas também gostei da imagem, pois também me lembrou de bonecas que tive e que foram desaparecendo. A maior parte dos brinquedos foram dados a outras crianças.

As bonecas não estavam entre os meus brinquedos favoritos, mas porque era menina era de bom tom ter o quarto cheio de bonecas. Até tive uma boneca espanhola que devia ser irmã da boneca que a Bettips descreve... :))

Mas, a minha filha brincou muito com bonecas e casinhas de bonecas...

Bj

Antonio stein disse...

Esta Boneca também me faz lembrar uma muito parecida que por lá por casa se passeava.

quanto ao comentário da senhora do andar de cima,o mesmo revela uma falta de memória terrível, pois essa senhora, até batia nas bonecas por não aprenderem a falar.., coisas de professora.

Gostei da lembrança mas francamente não me lembro de brincar com bonecas até aos 7 anos.

bettips disse...

Pois...ó gente do andar de cima: nós brincávamos com bonecas e "bonecos", indiscriminadamente (ver a M.). Carinhos e castigos distribuídos irmãmente!
Ah...as nossas bonecas espanholas, último grito nos anos 50, lamento mesmo não ter uma foto: era assim que eu imaginava "as princesas"...

vida de vidro disse...

:)) Estou a gostar de seguir a conversa. Toda a gente a voltar à infância...